segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Farewell/ Mudança de endereço do Tons e Toadas

Olá!

Transfiro e concentro a partir de hoje minhas atividades bloggeiras para o meu blog principal, As Pipas.

Isso quer dizer que as resenhas que vinha publicando exclusivamente aqui serão publicadas exclusivamente lá.

Com esse gesto pretendo manter uma página atualizada, com enfoques mais claros e atrativos novos como por exemplo vídeos em que falarei sobre os temas pertinentes à proposta.

Conto com todos os leitores deste blog nesta nova direção.

Abraços!

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

François Muleka em Curitiba



Na minha opinião, você está diante de grande arte quando enxerga um objeto na sua frente que não para de "transcender".

E com não parar de transcender quero dizer: não parar de gerar um sentido que supera a si mesmo. Você num átimo se vê diante de um ente que concentra animação vital de tal forma que se sua razão ou coração tenta acompanhar os caminhos propostos por ele a única possibilidade é perder-se. E então você cala e então, é claro, é isto que é estar diante da beleza.

Imagine que a vida lhe colocasse diante do seguinte desafio, para testar sua força: você perde sua visão e é colocado num país irreal de um outro mundo. Lá você é deixado até se sentir completamente perdido, sem qualquer direção.

O que você sente não é desespero ou dor. Você simplesmente quer ouvir a vida, mas ela está falando outras línguas, deslavando outras músicas e ela não te vê. Você não a culpa, sente que não a pode culpar, pois, lúcido, sabe que ela não o está condenando e sim apenas correndo em infinitas outras direções. E você é um.

 De repente, num instante, a voz de um irmão (ou irmã) passa a te dar inúmeras coordenadas. Esta voz não está fazendo questão de te amar, mas te lembra do amor.. Esta voz é mais a voz da simplicidade do que a da razão. Esta voz traz tanta razão que se torna impressão: abertura de caminho. Ela diz: vá. Esta voz constrói por prazer inúmeras pontes e é a voz da arte.

Assim foi o som apresentado por François Muleka, Trovão Rocha e Fernando Lobo ontem, aqui em Curitiba no bar 351 (situado na Trajano Reis).

Girando em torno das músicas do primeiro, estes três moleques fizeram uma tal demonstração do que é arte que eu me senti como na época em que alimentar a expectativa de encontrar tesouros em forma de bandas (geralmente de rock) era um dos maiores e mais elevados hobbys à disposição. E de vez em quando acontecia. Aconteceu.

François é a grande revelação como compositor de música brasileira na cidade de Florianópolis. Entenda o que o casamento de suas melodias e seu ritmo, seu conceito próprio, está fazendo em qualquer uma de suas músicas e descubra você mesmo o espanto que este músico tem gerado. Trata-se, com toda certeza, de uma pessoa que está primordialmente, nas suas primeiras aspirações, interessada em fazer música e não outra coisa. Trata-se de um artista-músico e não há maneira possível de desmentir isto.E ele está brilhando e sabe pra onde vai.

Acompanhavam-no o baixista e maior parceiro musical Trovão Rocha (um virtuose que a todo tempo está fazendo arte e não firula e que sempre impressiona pela maturidade) e o baterista Fernando Lobo. Este músico, por sua vez, (bastante conhecido na cena por tocar com o grande Molungo, trabalho solo e vários outros projetos) impressiona pela irmanação ao som de François e Trovão.Além de excelente instrumentista, Fernando (que salvo engano meu tocou pela 2ª vez com seus colegas) entendeu por dentro o que esta música pede. Sua sagacidade no instrumento mostra que estamos diante de outro artista de grande espírito.

Que François volte mais vezes à Curitiba, pois certamente ele tem tudo a ver com aqui.

Entendedores se espantarão.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Serginho do Trombone



08/10/2013 - por ocasião do Curitiba Jazz Meeting. Uma crônica mais afetiva do que crítica, mas que diz algo sobre o trabalho de um músico.


Já estamos na terça, mas não posso deixar de agradecer e homenagear um amigo meu que é grande músico e quebrou tudo no Guairão, principal teatro aqui de Curitiba, neste domingo.

O evento era o Curitiba Jazz Meeting, um curto festival de jazz que envolve boa parte dos maiores músicos do estilo residentes na cidade, mais atrações especiais, muitas delas gringas e com um currículo de dar inveja.

O show desse domingo foi com o músico e produtor Bob Belden, norte-americano a quem Duke Ellington se referiu como "além de qualquer categoria" por sua incrível versatilidade.

O som estava incrível. Uma orquestra formada por instrumentos eruditos e populares executava as composições de Belden, um material bastante sofisticado e cool.

E, pela segunda vez, meu grande amigo Sérgio Coelho, vulgo Serginho do Trombone, ou ainda, Serguei da Trombeta, foi o primeiro músico a improvisar depois do convidado principal e o mais frequente improvisador ao longo da noite.

Ano passado, num show realizado no Guairinha para o mesmo festival, seu primeiro improviso foi atravessado por palmas, gritos e assobios eufóricos, coisa que, nesse nível, só tinha visto em shows do Alejandro Sanz. Eu, que já estava agoniado nas primeiras frases daquele improviso, me emocionei muito.

E dessa vez não foi diferente. Como o trombone é um instrumento que até certo ponto limita o excesso de acrobacias nas frases tocadas pelo músico, o que sobra no caso de um grande instrumentista é procurar a beleza e a musicalidade por elas mesmas.

Pra quem nunca ouviu esse figura tocar, saibam que o Serginho pode estar tranquilamente entre os 3 grandes trombonistas brasileiros da atualidade. Toca com Hermeto Pacoal, Vinícius Dorin, Arismar do Espírito Santo e um ou outro pessoalzinho assim mais ou menos desse naipe.

As frases do Serginho cintilam e expõem a música pela música, pura e simples. "Contam uma história" como uma vez disse pra ele, ao que ele completou: "É, sempre temos que contar uma história."

Fica aqui minha homenagem e meu agradecimento pelo ingresso dado pelo meu amigo e a recomendação de que prestemos de vez em quando atenção nestes heróis da música, os instrumentistas. São heróis que vivem para o estudo e aperfeiçoamento do seu instrumento, pensando muito à frente do estrelato, e que acabam fatalmente se tornando verdadeiros promovedores da luta por uma sensibilidade diferente, mais aguçada e capaz de generosidade e doação. Suas obras são pacientemente construídas e é evidente que não se espera muita coisa em troca (grande dinheiro muito menos) a não ser continuar tocando.

E bebericando...

Isso sim é estar vivo e salvo.

Saúde Serjão!!!

Despeço-me com sua frase:

"O medo de não ser puro é o que traz impurezas."

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Pensata #2

Da relação do teatro com a liberdade

Se eu pudesse ser o outro, libertar-me de ser só eu mesmo, todos os objetos que eu tomo deixando de se referir a mim, sendo incorporados pelos minutos. Se eu pudesse tomar os objetos pelo prazer do deslocamento e da construção. Entrarei em contato com a criação da vida: tomarei este livro para ser outro; serei o funcionário ultra-disposto, atuando, vendo os personagens girando, libertando; irei para o bar desconhecido onde saciarei desejos desconhecidos; darei um outro rosto a mim mesmo, onde me verei. Então entenderei o que é ser Vida em outra Vida. Não serei eu que morrerá: será um outro. Eu mesmo continuarei.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Pensata #1

Se um quadro com uma bola disforme no centro em uma composição com pouquíssimos elementos é uma obra de arte pertencente a um autor universalmente respeitado, se se vê ali um estilo, completo em si, único, uma afirmação artística arrebatadora, por que, ao se ouvir uma música baseada em 3 acordes, frequentemente músicos inteligentes atentam apenas para a ausência de outros rumos da harmonia?

Em um quadro como esse é como se escolhessem expressar pelo discurso o estarem vendo apenas uma bola perfeitamente redonda, um retângulo azul abaixo, um fundo sujo creme e branco e rabiscos completamente aleatórios nas laterais. Nenhuma aceitação da experiência estética, nenhum mundo alusivo, nenhuma loucura bela, nenhuma voz absolutamente particular e nenhum vazio proposital, nenhuma ironia, nenhuma acidez em repetir a tua, a minha, a nossa roda.


Assim é a compreensão de vários músicos acerca da "pobreza musical" de, por exemplo, o rock, a música popular e a pop baseados em poucos acordes e pouco arranjo. 

É como se, grosso modo, não se conformassem que uma comida como o sushi fosse crua. E tentassem nos convencer de que para todos os casos e situações a comida assada fosse a melhor, a mais saudável, a mais asseguradamente digna do adjetivo"inteligente".

Por estarem querendo dizer outra coisa, esquecem completamente do fato de que toda expressão artística é de saída abstrata.Compõem então juízos críticos a partir da alienação ante a esse aspecto mais básico da obra de arte.

(Acima o quadro Sol Vermelho de Miró)




Texto sobre rock publicado no Whiplash

O site Whiplash publicou uma análise da música For your life do Led Zeppelin que gostei muito de escrever.

Segue o link:

http://whiplash.net/materias/biografias/206432-ledzeppelin.html

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Trio Pestana



Não é por não contar com um cantor/frontman que a música instrumental  perde suas possibilidades infinitas e que deixa de privilegiar, entre outros elementos, a diversão, qualquer que seja o ambiente em que se esteja.

O posicionamento dos músicos em relação a que espaço querem ocupar numa apresentação ou que espécie de impressão querem causar é que decide como será partilhada a quota de alegria e acréscimo entre músicos e plateia.

A minha aposta é a de que a espontaneidade e a abertura do Trio Pestana são tão grandes, tão claro é o seu espírito de interação e tão evidente sua musicalidade que você jamais se sentirá entediado em seus shows como acaba acontecendo em alguns casos de música instrumental na noite.

Muito pelo contrário: a diversidade do material escolhido (músicas conhecidas selecionadas de vários gêneros) somada à pegada própria da banda transmitem a sensação de um jogo constante entre músicos e público, como se no próprio som houvesse convite, ironia  e aquela discrição aberta, como em um flerte.

Não estou querendo com estas linhas tirar mérito nenhum das gigs de música instrumental que prezem por seriedade, explosão multi-técnica e concentração na tradição e raízes de algum gênero (o bebop ou a escola Hermeto Pascoal, por exemplo). Mas não esconderei que sou da opinião de que muitas vezes o gênero música instrumental perde com a completa falta de pensamentos realmente abertos em torno do que tem apelo e é informação clara para a plateia.

O Trio Pestana é uma banda formada este ano em Curitiba por 3 jovens amantes de música (Mateus Azevedo, Maurício Escher e Anderson de Lima) e em seu show você ouvirá Take Five (standard de jazz composta por Dave Brubeck), Wicked World (do Black Sabbath),  Milionário (aquela mesmo, famosa na versão dos Incríveis) e Maria Fumaça (Banda Black Rio) tocadas com a mesma naturalidade. Saí do primeiro show que vi com a impressão forte de surpresa refletida na pergunta: “por que mais bandas não pensam assim?”

Existem grandes artistas cuja sacada está em um quase sair de cena fazendo com que, entre outras coisas, seja colocado em cheque aquele sentimento, bastante comum na classe artística, de dever natural de ocupar espaço ou "quanto mais melhor". Este é evidentemente o caso desta iniciante grande banda chamada Trio Pestana.

O trio tocando Maria Fumaça:

terça-feira, 23 de abril de 2013

Toucinho





Esta terça (16/08) no Frango e Fritas teremos a participação do Toucinho Batera, músico que, pra mim, é o grande maestro da música em Floripa.

Toucinho Batera é a imagem encarnada do artista que todos nós, em nosso sonho mais absurdo, imaginamos ser. É fã dele: Nenê Batera, que é um baterista e artista incrível, talvez o nome da bateria que mais se consagrará entre os bateristas brasileiros de todos os tempos.

É fã dele: eu, um aspirante a escritor, que lido com palavras e que diante do Toucinho não tenho nenhuma.

Se você alguma vez já sentiu a violência do amor, imagine alguém que viva a todo instante, sem parar, por sua história, essa violência. Este é Toucinho Batera.

Um músico que também é um ser humano incrível, personagem de histórias absurdas, simples e milagrosas. Como, por exemplo, juntar madeiras, plásticos e objetos sem uso para redesenhar, da maneira mais inocente, pura, a mágica de suas mulheres. Ou então refazer a peça de mecânica mais sofisticada da bateria, uma máquina de chimbal, com um guarda-chuva e o que estivesse à mão – como realmente aconteceu.

Em tempos em que é difícil enxergar a violência da vida como ela é, por tudo parecer tão violento, temos pertíssimo de nós um sujeito que mergulhou de cabeça na mais pura intensidade da vida: a intensidade de quem, com 61 anos, tem a força, a agilidade e a inteligência de um gurizão de 20 para tocar as músicas mais ricas, difíceis, sensíveis e violentas do nosso tempo, vindas do mais fundo do grito do sofrimento e da dignidade popular.

Compareçam!

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O Saturnino e a saga da Música Instrumental Brasileira

Quando colocado pela primeira vez diante de alguns nomes das músicas moderna e contemporânea brasileiras, aquele que viria a se tornar hoje um dos músicos estrangeiros mais apaixonados pela cultura do Brasil recusou dar pura e simplesmente o rótulo de música popular para o som que ouviu: impressionado com a maestria de discos como os da musicista Léa Freire, o clarinetista italiano Gabriele Mirabassi passou a defender que uma boa parte da música feita aqui e que costumamos chamar de popular está, pelo menos outro tanto, é para erudita.

Acredito que o que Gabriele quis expressar, independentemente da razão ou desrazão dos rótulos, é o fato de ter sentido aqui que a força que concilia por um lado a cultura bruta, popular do Brasil com, de outro lado, a música universal mais sofisticada (do clássico ao jazz) é uma força cujos produtos não deixam nada a desejar ao que é feito no resto do mundo e que desfruta do prestígio de ser sofisticado, complexo, inteligente, ou mesmo sublime.

Grande parte dos nomes a que Gabriele se refere pertencem a um gênero de nossa música muitíssimo desconhecido e pouco aprofundado, o da Música Instrumental Brasileira. Afinal, mesmo que os nomes dos mestres desse gênero (como Egberto Gismonti, Moacir Santos, Guinga e, o mais conhecido de todos, Hermeto Pascoal) sejam pronunciados e valorizados aqui e ali, o certo é que enquanto for difícil mostrar o valor destes gigantes da música em face a tanto lixo cultural a dominar nossos meios de comunicação e modos de pensar e sentir música, estaremos ocultando de nós mesmos o que de mais forte e esperançoso há em nosso país.

É, portanto, num contexto em que a Música Instrumental ainda hoje colhe frutos vindos de um heroico trabalho de dedicação e persistência que na última quinta feira, 2 de agosto, Florianópolis recebeu a visita do excelente grupo Saturnino, vindo diretamente de Natal, apoiado pelo Jurerê Jazz, para tocar no palco do TAC e mostrar que forró, maracatu, jazz, rock e tantos outros estilos e linguagens quando misturados por grandes músicos resultam em uma arte que propõe o desafio não da mera releitura ou da grandiloquência, mas o da profunda contemporaneidade.

Formado por Zé Fontes (baixo e voz), Ronaldo Freire (flauta), Ricardo Baya (guitarra e voz), Kleber Moreira (percussão) e Darlan Marley (bateria) o grupo existente há 6 anos arrancou aplausos e pedidos de bis entusiasmadíssimos dos espectadores do show da quinta passada.

Esbanjando a comunicação que só um projeto de fato orgânico pode ter, o grupo executou predominantemente as composições que fazem parte de seu primeiro disco, Saturnino e o disco avuadô, mais versões para músicas de Hermeto, Milton Nascimento e do músico argentino Luis Salinas. 

O resultado foi um show a um só tempo intenso e objetivo, onde em nenhum momento se permitia que, por exemplo, o carisma natural da música do norte do país soasse escravo da inteligência das composições.

Apostando na condução dos temas para vários “climas”, permitindo-se viagens sonoras de extensão, oportunidade e profundidade bem dosadas, a sensação é a de que o Saturnino realizou com facilidade aquilo que muitos grupos lutam para conquistar, ou seja, as plenas abertura e participação da audiência.

Na ótima abertura e formado por jovens músicos da ilha, o quinteto Quiabo fez mais que bonito diante dos mestres, ajudando a mostrar que a distância que separa o chão da grande música em nosso país é mínima e por muito tempo alçará teimosos voos independentemente de haver atenção e permissão oficiais para isso.

Você pode ouvir o cd do Saturnino em seu site: www.saturnino.com.br

Destaque para a faixa: Presente de Giba, entre todas as outras, belissimamente produzidas.


Diogo Araujo da Silva

www.tonsetoadas.blogspot.com

terça-feira, 24 de julho de 2012

Workshop - Toicinho Batera e Maurici Ramos

 
 
Dar para Toicinho Batera e Maurici Ramos o título de dois dos maiores músicos da ilha e, pelo menos, do sul do Brasil não é mera retórica. Aquele que talvez seja o maior nome da batera nacional, Nenê, é fã e amigo do Toicinho. Maurici Ramos viajou o mundo inteiro durante 4 décadas como baterista profissional, chegando a tocar em produções da Disney e com a Orquestra Sinfônica de Israel.

Toicinho Batera impressiona a todos os músicos com quem toca por sua incrível habilidade de abordar a bateria como um instrumento capaz de desequilibrar na execução de um som. Em qualquer noite que o virmos tocar, estaremos diante de um músico que trata seu instrumento como parte vital do próprio corpo e espírito, levando as possibilidades da criatividade sempre ao limite. Em suas mãos a bateria ocupa um lugar central dentro da música, não sendo nem um pouco equivocada a impressão de que o Toicinho cumpre, tocando, as vias de um arranjador ao vivo.

Vi Maurici Ramos tocar a primeira vez há pouco mais de um ano em uma noite de jazz aqui no centro de Florianópolis. Fiquei impressionado, pois nunca tinha escutado uma bateria cantar tanto. É como se cada aspecto do instrumento tivesse sido estudado com tanta dedicação e capricho que tudo soasse o mais espontâneo e vivo possível, como se nada fosse técnica e tudo "melodia". Maurici é o raro exemplo de baterista que toca com tal elegância e domínio do instrumento que parece se ouvir, sem esforço, de todas as distâncias no lugar em que toca. Dá prazer ouvir cada som isolado que tira da bateria em favor da música.

Ainda mais do que presenciar o encontro de dois monstros do instrumento, a noite de hoje traz a figura impagável destes dois ilustres senhores que atravessaram a vida fazendo o que mais amam que é arte, a mais genuína, inteligente, sensível e dedicada possível.

domingo, 15 de julho de 2012

Tesouro underground em Floripa: o som e a fúria do Punk Jazz


fotos: Jordane Câmara

Apesar do nome do evento poder suscitar certo espanto, o Punk Jazz nada tem a ver com arte conceitual ou com pretensões a apresentar alguma nova mistura ou experimentação destas que acabam fazendo da arte um ring de estupro do apelativo.

Quem esbarrar na simplicidade dos 4 integrantes da banda, que volta a se apresentar no Blues Velvet esta terça, dia 17 de julho, poderá até duvidar do fato de que sejam artistas.


Após 5 minutos de atenção no som feito por Xandão (baixo), Wslley Risso (guitarra), Victor Bub (bateria) e Giann Thomasi (sax), no entanto, estamos convidados a entrar num universo de incríveis técnica, intensidade e bom gosto sonoros onde acredito ser bem fácil entender o nome do projeto – que faz menção a uma música do grande grupo de jazz-fusion Weather Report.

Aos amantes do underground e das descobertas de tesouros urbanos muito recomendo comparecerem neste bar que, dada sua localização e charme lo-fi, possibilita que o jazz tenha muito mais do que o volume de música ambiente.

Acredito que estamos diante de 4 músicos profissionais e adultos, já maduros esteticamente e sabendo o que querem de si mesmos e do som.

Vale a pena prestar atenção na personalidade dos instrumentos dentro de cada tema para que se sinta a presença destes quatro cidadãos na execução de uma música que em muitos aspectos é criada na nossa frente.
    

Um comentário comum de amigos que simpatizam com o jazz é o da dificuldade que têm em “entender tudo” o que se passa numa execução deste tipo de som.

Compreendo-os muito bem, em parte por sempre sentir o mesmo (e achando que a graça é essa) e em parte por perceber que tal sensação pode ter muito a ver simplesmente com a baixa atenção que os meios tradicionais de comunicação em nosso país dão ao estilo, fazendo com que a formação de uma familiaridade natural que se dá, bem ou mal, com outros tipos de música não seja tão comum em relação a ele.

 
De fato, não é casual a alcunha de “música inteligente” que o jazz tem. O estranho é que batizando-o assim por vezes se esqueça que altos teores de força, irrazão e paixão estão igualmente presentes no mesmo. Afinal, trata-se de um som atravessado essencialmente pelo improviso, o que naturalmente podemos pensar justo como um desafio à inteligência.

A recompensa por adentrar no mundo do jazz é o de adquirir o vício em uma música que de tão sensual e inteligente (pela quantidade de informações e pela exuberância da execução) parece poder entorpecer naturalmente o ouvinte, como o cheiro de uma boa cachaça, o gosto de um bom papo, uma carícia amorosa ou, simplesmente, a certeza da participação no pleno gozo da vida.










quinta-feira, 3 de maio de 2012

O diabo sem canoa, no samba da Lagoa

Notícia em primeira mão: a Lagoa da Conceição promete ser o primeiro lugar do mundo a expulsar definitivamente o diabo e qualquer manifestação demoníaca. Sim, cada cidade do mundo de hoje tem pelo menos um redutozinho que pode servir de forte candidato à proeza. A quem interessar possa, este texto pode servir, pois, como uma defesa das particularidades objetivas de nosso candidato.

Que lugar é este em que até os hippies parecem tão desocupados e seguros, tão modestos em seus planos de vida que é possível adivinhar serem donos de uma vitalícia pensão do governo? Em que outro lugar vemos hippies em todos os níveis da escala social? Que lugar é este em que os vagabundos e bêbados em geral não sentem inspiração nenhuma para protestar contra Deus ou o nada?

De fato, a Lagoa é um lugar em que Deus faz tão pouca falta que os corpos tendem à absoluta leveza transcendente. Só isto pode explicar a enorme confluência de profissionais de Buda evidentemente compenetrados em promover (talvez para logo) o primeiro levitamento público televisionado (ou podcastzado). Haverá, finalmente, um estrondo!

A Lagoa entrará para a história então como o cenário da conciliação do homem com a natureza após séculos de exploração, pois demonstrará para o mundo, entre outras coisas, que o homem está integrado ao cosmos, que devemos ouvir a música da natureza, que a razão não explica a poesia da cannabis, que um naco de gengibre pendurado na orelha e um desodorante artesanal de suor atrai mulheres como que por um feitiço e que o samba-rock-universitário-de-raiz pode conviver muito bem com o lounge-jazz tocado por uma big band de 12 argentinos tão desengonçados quanto ensaiados como um mini-circo. (Pois quem poderá defender que um jazz tocado bem é melhor do que um tocado absolutamente mal? Quem defenderá que no jazz costuma haver improviso? Não me arrisco.)

“Mas Diogo e tudo que há de raiz na Lagoa, e esta procura pelo centro do ser, pela natureza, pela ecologia mística patrocinada? E aquele samba da Lagoa?”

A diferença entre aquele som do samba da Lagoa o do Rancho do Neco (o melhor da cidade) é a mesma entre o miojo e a feijoada. Mas isto pouco parece importar para os novos lagoanos se for fácil dizer que, no caso, o miojo é de raiz.

“Mas ei Diogo e o discurso crítico? A Lagoa é o reduto de artistas e cidadãos politizados que, apesar da inabalável paz interior, estão muitíssimo ligados em tudo o que acontece na cidade!”

Pois somente na Lagoa os professores têm alvará público para arruinar os sambas tocando qualquer nota de uma trombeta em nome da democracia participativa, os boêmios esclarecidos são incapazes de abrir um boteco indecente, os poetas rimam ar com mar e ficam tristes, os músicos imberbes cacho com riacho e os políticos não conseguem puxar uma passeata, pois se sentam para ler o jornal no centrinho e uma vez lá, melancólicos como uma cabra, não conseguem tirar os olhos das tetas aditivadas das coroonas. (Estas só consigo definir como "neo-hippies que deram certo na vida.")

“E as mulheres bonitas, Diogo? Vai dizer que não há mulheres lindas e deslumbrantes na Lagoa? Você é biba?”

Estas são as primeiras a se revoltarem contra o diabo. Bebem duas cachacinhas e ficam tontas como uma pomba-gira. Passam a discursar em favor da intensidade, contra o trabalho e a favor da vida e vigiam seus pretendentes, imensos morenos vestidos igual, com as mesmas gírias incrivelmente ensaiadas, com um bom humor que sempre se pode contar, com um naco de gengibre na orelha e uma infinitamente repetida humildade como ética de vida.

Pois elas estão alertas: a qualquer sinal de manifestação do mais do que nunca temido machismo elas olham à volta e evocam todos os deuses maias, incas, hong-kongianos, taiwanianos e paraguaios, cujas imagens, como se não bastasse, encontram-se à venda em inúmeros santuários terceirizados logo ali por perto.

O resultado é assustador. Nossos malandros do samba, do reggae e do forró ficam completamente desprovidos de energia vital, abrem a boca como epiléticos e eles, que eram garantidamente morenos naturais, ficam brancos como um alemão para balbuciar: “Desculpa, gata... Eu se expressei mal.”

Então tudo fica bem. Nosso diabo, que para efeitos retóricos chamaremos aqui de Dionísio, o rei da carne e do delírio geral, volta à Bahia e que se foda: viverá dos prazeres que propiciam os créditos vindos da liberação total do uso de seu nome. Esta medida já antiga, típica de seu feitio e ainda nova para muita gente está na ponta da língua de empresários-lounge e de qualquer estudante de artes cênicas sedento por emancipar sua sexualidade reprimida.

Para terminar a campanha: tenho um grupo de amigos que usa Lagoa como adjetivo para tudo que busca a autenticidade através de raízes um tanto voadoras. “Fulano é meio Lagoa” ou “Me passa aqui essa camisa Lagoa” são frases que figuram como uma homenagem a essa nova proposta para o espírito cultural de Florianópolis: a expulsão total de Dionísio, rumo ao centro do ser.

Não desconfiam os patrocinadores desta revolução que o próprio Dionísio ganha sempre na contra-mão. Ele próprio será o primeiro a comprar a camisa com os dizeres: “Até o diabo se benze na Lagoa da Conceição.”

(fevereiro 2011)

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Fernando Bailão: paixão pelo jazz em Florianópolis


Amanhã (domingo, dia 26) um dos músicos mais talentosos da nossa cidade estará apresentando composições suas, além de standards de jazz e música brasileira, ao lado do grande saxofonista Maycon de Souza. O evento acontece no Coisas de Maria e João em Santo Antônio de Lisboa às 19:30. O couvert é de 10 reais. Falo do grande guitarrista Fernando Bailão. Anotem esse nome!

De todos os músicos e artistas que conheço em nossa cena ilhéu, Bailão é pra mim, disparado, o mais explosivo – e no melhor sentido possível para a palavra. Como qualquer pessoa que estiver assistindo a uma de suas noites de jazz pode perceber, o envolvimento do guitarrista com cada música (de um tema acelerado a uma balada) nunca deixa de ser intensíssimo, puramente presente e entregue.

Façam o teste: enquanto o observarmos nunca sentiremos a menor desconfiança de que este músico está com a atenção voltada para outro lugar que não seja o esplendor do som e da vida. Você nunca lerá na expressão do Bailão um “o que vou jantar hoje?” e sim, sempre, um “quero tirar mais desse som, mais e mais!”

Lutando pela afirmação da música instrumental em Florianópolis da maneira mais simples e fiel, sempre com suas próprias forças, Fernando Bailão é daqueles artistas que não conseguem deixar de levar a explosão de que falo para cada segundo de seu dia-a-dia. É como se ao invés de se aproximar com respeito passivo e métodos de segurança diante do “amanhã” Bailão fosse daquelas personalidades que desafiassem e exigissem a todo momento o limite desse mesmo amanhã.

Por tudo isso, não é difícil entender a aproximação do Bailão ao jazz como sendo a mais orgânica e mágica possível: somente uma música que devora os segundos como o jazz pode dar conta da ousadia e força de uma vida como esta.

Bailão é um artista completo: não é porque sua atitude artística seja sempre a do desafio que lhe falte em algum momento uma inteligência e uma sensibilidade muitíssimo bem depuradas.

Reitero o convite que faço aqui, pois o som de amanhã traz a oportunidade especial de ouvirmos seu trabalho autoral.

A grande arte não nos cobra esforço de atenção. Ela nos dá, mais do que damos a ela. Brindemos a este grande artista e sem dúvida uma das maiores almas da nossa cidade, meu amigo Fernando Bailão!