quinta-feira, 9 de agosto de 2012
O Saturnino e a saga da Música Instrumental Brasileira
Acredito que o que Gabriele quis expressar, independentemente da razão ou desrazão dos rótulos, é o fato de ter sentido aqui que a força que concilia por um lado a cultura bruta, popular do Brasil com, de outro lado, a música universal mais sofisticada (do clássico ao jazz) é uma força cujos produtos não deixam nada a desejar ao que é feito no resto do mundo e que desfruta do prestígio de ser sofisticado, complexo, inteligente, ou mesmo sublime.
Grande parte dos nomes a que Gabriele se refere pertencem a um gênero de nossa música muitíssimo desconhecido e pouco aprofundado, o da Música Instrumental Brasileira. Afinal, mesmo que os nomes dos mestres desse gênero (como Egberto Gismonti, Moacir Santos, Guinga e, o mais conhecido de todos, Hermeto Pascoal) sejam pronunciados e valorizados aqui e ali, o certo é que enquanto for difícil mostrar o valor destes gigantes da música em face a tanto lixo cultural a dominar nossos meios de comunicação e modos de pensar e sentir música, estaremos ocultando de nós mesmos o que de mais forte e esperançoso há em nosso país.
É, portanto, num contexto em que a Música Instrumental ainda hoje colhe frutos vindos de um heroico trabalho de dedicação e persistência que na última quinta feira, 2 de agosto, Florianópolis recebeu a visita do excelente grupo Saturnino, vindo diretamente de Natal, apoiado pelo Jurerê Jazz, para tocar no palco do TAC e mostrar que forró, maracatu, jazz, rock e tantos outros estilos e linguagens quando misturados por grandes músicos resultam em uma arte que propõe o desafio não da mera releitura ou da grandiloquência, mas o da profunda contemporaneidade.
Formado por Zé Fontes (baixo e voz), Ronaldo Freire (flauta), Ricardo Baya (guitarra e voz), Kleber Moreira (percussão) e Darlan Marley (bateria) o grupo existente há 6 anos arrancou aplausos e pedidos de bis entusiasmadíssimos dos espectadores do show da quinta passada.
Esbanjando a comunicação que só um projeto de fato orgânico pode ter, o grupo executou predominantemente as composições que fazem parte de seu primeiro disco, Saturnino e o disco avuadô, mais versões para músicas de Hermeto, Milton Nascimento e do músico argentino Luis Salinas.
O resultado foi um show a um só tempo intenso e objetivo, onde em nenhum momento se permitia que, por exemplo, o carisma natural da música do norte do país soasse escravo da inteligência das composições.
Apostando na condução dos temas para vários “climas”, permitindo-se viagens sonoras de extensão, oportunidade e profundidade bem dosadas, a sensação é a de que o Saturnino realizou com facilidade aquilo que muitos grupos lutam para conquistar, ou seja, as plenas abertura e participação da audiência.
Na ótima abertura e formado por jovens músicos da ilha, o quinteto Quiabo fez mais que bonito diante dos mestres, ajudando a mostrar que a distância que separa o chão da grande música em nosso país é mínima e por muito tempo alçará teimosos voos independentemente de haver atenção e permissão oficiais para isso.
Você pode ouvir o cd do Saturnino em seu site: www.saturnino.com.br
Destaque para a faixa: Presente de Giba, entre todas as outras, belissimamente produzidas.
Diogo Araujo da Silva
www.tonsetoadas.blogspot.com
terça-feira, 24 de julho de 2012
Workshop - Toicinho Batera e Maurici Ramos
Dar
para Toicinho Batera e Maurici Ramos o título de dois dos maiores músicos da
ilha e, pelo menos, do sul do Brasil não é mera retórica. Aquele que
talvez seja o maior nome da batera nacional, Nenê, é fã e amigo do
Toicinho. Maurici Ramos viajou o mundo inteiro durante 4 décadas como
baterista profissional, chegando a tocar em produções da Disney e com a
Orquestra Sinfônica de Israel.
Toicinho Batera impressiona a
todos os músicos com quem toca por sua incrível habilidade de abordar a
bateria como um instrumento capaz de desequilibrar na execução de um
som. Em qualquer noite que o virmos tocar, estaremos diante de um músico
que trata seu instrumento como parte vital do próprio corpo e espírito,
levando as possibilidades da criatividade sempre ao limite. Em suas
mãos a bateria ocupa um lugar central dentro da música, não sendo nem um
pouco equivocada a impressão de que o Toicinho cumpre, tocando, as vias
de um arranjador ao vivo.
Vi Maurici Ramos tocar a primeira
vez há pouco mais de um ano em uma noite de jazz aqui no centro de
Florianópolis. Fiquei impressionado, pois nunca tinha escutado uma
bateria cantar tanto. É como se cada aspecto do instrumento tivesse sido
estudado com tanta dedicação e capricho que tudo soasse o mais
espontâneo e vivo possível, como se nada fosse técnica e tudo "melodia".
Maurici é o raro exemplo de baterista que toca com tal elegância e
domínio do instrumento que parece se ouvir, sem esforço, de todas as
distâncias no lugar em que toca. Dá prazer ouvir cada som isolado que
tira da bateria em favor da música.
Ainda mais do que
presenciar o encontro de dois monstros do instrumento, a noite de hoje
traz a figura impagável destes dois ilustres senhores que atravessaram a
vida fazendo o que mais amam que é arte, a mais genuína, inteligente,
sensível e dedicada possível.
domingo, 15 de julho de 2012
Tesouro underground em Floripa: o som e a fúria do Punk Jazz
quinta-feira, 3 de maio de 2012
O diabo sem canoa, no samba da Lagoa
Que lugar é este em que até os hippies parecem tão desocupados e seguros, tão modestos em seus planos de vida que é possível adivinhar serem donos de uma vitalícia pensão do governo? Em que outro lugar vemos hippies em todos os níveis da escala social? Que lugar é este em que os vagabundos e bêbados em geral não sentem inspiração nenhuma para protestar contra Deus ou o nada?
De fato, a Lagoa é um lugar em que Deus faz tão pouca falta que os corpos tendem à absoluta leveza transcendente. Só isto pode explicar a enorme confluência de profissionais de Buda evidentemente compenetrados em promover (talvez para logo) o primeiro levitamento público televisionado (ou podcastzado). Haverá, finalmente, um estrondo!
A Lagoa entrará para a história então como o cenário da conciliação do homem com a natureza após séculos de exploração, pois demonstrará para o mundo, entre outras coisas, que o homem está integrado ao cosmos, que devemos ouvir a música da natureza, que a razão não explica a poesia da cannabis, que um naco de gengibre pendurado na orelha e um desodorante artesanal de suor atrai mulheres como que por um feitiço e que o samba-rock-universitário-de-raiz pode conviver muito bem com o lounge-jazz tocado por uma big band de 12 argentinos tão desengonçados quanto ensaiados como um mini-circo. (Pois quem poderá defender que um jazz tocado bem é melhor do que um tocado absolutamente mal? Quem defenderá que no jazz costuma haver improviso? Não me arrisco.)
“Mas Diogo e tudo que há de raiz na Lagoa, e esta procura pelo centro do ser, pela natureza, pela ecologia mística patrocinada? E aquele samba da Lagoa?”
A diferença entre aquele som do samba da Lagoa o do Rancho do Neco (o melhor da cidade) é a mesma entre o miojo e a feijoada. Mas isto pouco parece importar para os novos lagoanos se for fácil dizer que, no caso, o miojo é de raiz.
“Mas ei Diogo e o discurso crítico? A Lagoa é o reduto de artistas e cidadãos politizados que, apesar da inabalável paz interior, estão muitíssimo ligados em tudo o que acontece na cidade!”
Pois somente na Lagoa os professores têm alvará público para arruinar os sambas tocando qualquer nota de uma trombeta em nome da democracia participativa, os boêmios esclarecidos são incapazes de abrir um boteco indecente, os poetas rimam ar com mar e ficam tristes, os músicos imberbes cacho com riacho e os políticos não conseguem puxar uma passeata, pois se sentam para ler o jornal no centrinho e uma vez lá, melancólicos como uma cabra, não conseguem tirar os olhos das tetas aditivadas das coroonas. (Estas só consigo definir como "neo-hippies que deram certo na vida.")
“E as mulheres bonitas, Diogo? Vai dizer que não há mulheres lindas e deslumbrantes na Lagoa? Você é biba?”
Estas são as primeiras a se revoltarem contra o diabo. Bebem duas cachacinhas e ficam tontas como uma pomba-gira. Passam a discursar em favor da intensidade, contra o trabalho e a favor da vida e vigiam seus pretendentes, imensos morenos vestidos igual, com as mesmas gírias incrivelmente ensaiadas, com um bom humor que sempre se pode contar, com um naco de gengibre na orelha e uma infinitamente repetida humildade como ética de vida.
Pois elas estão alertas: a qualquer sinal de manifestação do mais do que nunca temido machismo elas olham à volta e evocam todos os deuses maias, incas, hong-kongianos, taiwanianos e paraguaios, cujas imagens, como se não bastasse, encontram-se à venda em inúmeros santuários terceirizados logo ali por perto.
O resultado é assustador. Nossos malandros do samba, do reggae e do forró ficam completamente desprovidos de energia vital, abrem a boca como epiléticos e eles, que eram garantidamente morenos naturais, ficam brancos como um alemão para balbuciar: “Desculpa, gata... Eu se expressei mal.”
Então tudo fica bem. Nosso diabo, que para efeitos retóricos chamaremos aqui de Dionísio, o rei da carne e do delírio geral, volta à Bahia e que se foda: viverá dos prazeres que propiciam os créditos vindos da liberação total do uso de seu nome. Esta medida já antiga, típica de seu feitio e ainda nova para muita gente está na ponta da língua de empresários-lounge e de qualquer estudante de artes cênicas sedento por emancipar sua sexualidade reprimida.
Para terminar a campanha: tenho um grupo de amigos que usa Lagoa como adjetivo para tudo que busca a autenticidade através de raízes um tanto voadoras. “Fulano é meio Lagoa” ou “Me passa aqui essa camisa Lagoa” são frases que figuram como uma homenagem a essa nova proposta para o espírito cultural de Florianópolis: a expulsão total de Dionísio, rumo ao centro do ser.
Não desconfiam os patrocinadores desta revolução que o próprio Dionísio ganha sempre na contra-mão. Ele próprio será o primeiro a comprar a camisa com os dizeres: “Até o diabo se benze na Lagoa da Conceição.”
(fevereiro 2011)
sábado, 25 de fevereiro de 2012
Fernando Bailão: paixão pelo jazz em Florianópolis
Amanhã (domingo, dia 26) um dos músicos mais talentosos da nossa cidade estará apresentando composições suas, além de standards de jazz e música brasileira, ao lado do grande saxofonista Maycon de Souza. O evento acontece no Coisas de Maria e João em Santo Antônio de Lisboa às 19:30. O couvert é de 10 reais. Falo do grande guitarrista Fernando Bailão. Anotem esse nome!
De todos os músicos e artistas que conheço em nossa cena ilhéu, Bailão é pra mim, disparado, o mais explosivo – e no melhor sentido possível para a palavra. Como qualquer pessoa que estiver assistindo a uma de suas noites de jazz pode perceber, o envolvimento do guitarrista com cada música (de um tema acelerado a uma balada) nunca deixa de ser intensíssimo, puramente presente e entregue.
Façam o teste: enquanto o observarmos nunca sentiremos a menor desconfiança de que este músico está com a atenção voltada para outro lugar que não seja o esplendor do som e da vida. Você nunca lerá na expressão do Bailão um “o que vou jantar hoje?” e sim, sempre, um “quero tirar mais desse som, mais e mais!”
Lutando pela afirmação da música instrumental em Florianópolis da maneira mais simples e fiel, sempre com suas próprias forças, Fernando Bailão é daqueles artistas que não conseguem deixar de levar a explosão de que falo para cada segundo de seu dia-a-dia. É como se ao invés de se aproximar com respeito passivo e métodos de segurança diante do “amanhã” Bailão fosse daquelas personalidades que desafiassem e exigissem a todo momento o limite desse mesmo amanhã.
Por tudo isso, não é difícil entender a aproximação do Bailão ao jazz como sendo a mais orgânica e mágica possível: somente uma música que devora os segundos como o jazz pode dar conta da ousadia e força de uma vida como esta.
Bailão é um artista completo: não é porque sua atitude artística seja sempre a do desafio que lhe falte em algum momento uma inteligência e uma sensibilidade muitíssimo bem depuradas.
Reitero o convite que faço aqui, pois o som de amanhã traz a oportunidade especial de ouvirmos seu trabalho autoral.
A grande arte não nos cobra esforço de atenção. Ela nos dá, mais do que damos a ela. Brindemos a este grande artista e sem dúvida uma das maiores almas da nossa cidade, meu amigo Fernando Bailão!
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
Texto sobre a cena de Floripa na revista Naipe
Na nossa frente
Todo comentário é bem vindo!