terça-feira, 12 de julho de 2011

Sexta apresentação do Watch Out Jazz Quartet (12/07/11)


Terça passada no Frango e Fritas o Watch Out Jazz Quartet teve o maior público desde que começou a tocar. Na chamada de hoje falo um pouco sobre cada um dos 4 músicos que compõem o grupo.

Na guitarra está o paulista Wslley Risso, residente na ilha há dez anos, mesmo tempo que ministra aulas do instrumento e de música em geral e que toca nunca com grandes intervalos na noite da cidade.

Grande parceiro daquele que é muito provavelmente o maior músico de Florianópolis, mestre Toicinho Batera, seu estilo extremamente agressivo, de improvisos sempre arriscados e técnica incrível, remete, por essas características, ao seu grande pai musical, o saxofonista John Coltrane.

Grande admirador da música brasileira, estudou com grandes mestres da guitarra do Brasil como Olmir Stocker e Mozart Mello e exerce com enorme assiduidade também o trabalho de compositor e arranjador.

Na bateria Victor Bub é um manezinho naturalizado, dono de um estilo que combina explícita e incrivelmente sensibilidade e agressividade. Seus próprios trejeitos corporais mostram um constante esforço por interpretar criativamente tudo o que acontece na música.

Grande admirador do estilo do gigante Tony Williams, Victor possui a enorme virtude de saber ouvir “o que a música pede” sem deixar de surpreender pela ousadia, bom gosto e enorme violência de seu som.

Membro da grande banda Trio Butiá (grupo dedicado a composições próprias e da qual também faz parte Wslley) Victor tem se dedicado a trazer grandes nomes da música instrumental para workshops através de sua loja, a Batuka Groove.

Rafael Calegari, natural de Tubarão, é um baixista que faz questão do seu som aparecer, sendo possível quase “groovar” com ele. Como não podia ser diferente para esta banda, sua pegada é também bastante forte, seu timbre soando massudo e orgânico com grande habilidade.

Não é por acidente que o vemos suar bastante durante suas apresentações: este músico talentosíssimo, cujo reconhecimento só tende a crescer a nível nacional, parece pulsar a cada instante, junto com o suingue de um simples blues ou composições voltadas para o modal.

Membro de outro grupo de enorme destaque da ilha, o Quarteto Rio Vermelho, Rafael também se dedica ao trabalho de compositor, ao mesmo tempo que acompanha nomes de destaque do cenário nacional, como recentemente Jorge Vercilo.

No sax temos o manezinho da gema Giann Thomasi. Se os talentos de seus companheiros não forem suficientes para conquistar nossa audiência, que ao menos a verve e a irreverência deste monstruoso instrumentista nos provoque impressões e sorrisos.

Grande admirador dos maiores nomes do sax contemporâneo como Chris Potter e Michael Brecker, Giann não poupa um segundo de fôlego atirando milhares de notas na cara do espectador sem que este tenha tempo para sequer pensar que está diante de um instrumentista “exagerado” ou excessivo.

Antes de formularmos este pensamento, somos obrigados a perceber que os chistes de um comediante estão tão presentes na sua música quanto as tradicionais armas de que se vale um pleno virtuose de um instrumento-símbolo como o sax.

Vale a pena comparecer nesta terça para presenciar este encontro de seres humanos simples que se entregam inteiramente a um momento em que toda esta análise pode ser recusada, deixada de lado, em nome do amor ao risco e improviso, percorrendo todas as hipóteses do som.

Apareçam!

Forte abraço,

Diogo

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Versos da canção brasileira


para Denise de Castro e os novos músicos de Floripa
Alguns versos que gosto na poesia da canção brasileira:

Os versos: “Água de beber/ bica no quintal/ Sede de viver tudo” da música Fazenda, do Milton. Por dizerem tudo e do jeito mais sensorial e simples. Coisas que o Milton faz acontecer, como também em Os povos: “Casa iluminada/ Portão de ferro/ Cadeado /Coração.”

Gosto da simples presença da palavra foguete, em O último desejo, canção do Noel, soando no verso: “Morre hoje sem foguete.”

O verso que mais gosto do Chico Buarque é “Que a dor é tão velha/ que pode morrer”de Olê, olá (canção cujo título também é meu preferido).
Do Caetano gosto do modo como ele diz “Eu sou um leão de fogo.” (Em Terra.) Gosto da força absolutamente despojada que move os versos que abrem Tempo de estio: “Quero comer/ Quero mamar/ Quero preguiça.” (Imaginem um deus que dissesse estes versos.)

Gosto de imaginar o dia em que alguém me dirá, sem cantar, o seguinte verso de Lua, lua, lua do jeito como ele deve ser dito, como uma verdade essencial das coisas, da vida, emitida com um impulso absolutamente desprendido e apaixonado: “Meu canto não tem nada a ver com a lua.”
Gosto de imaginar o dia em que a sua Um índio será vista como a profecia escandalosa e concreta que é.
Acho a letra de Estrada do sol, feita por Dolores Duran, absolutamente linda. Estanco com espanto em cada uma de suas palavras: “É de manhã/ Vem o sol/ Mas os pingos da chuva/ Que ontem caiu.” A letra inteira parece a um só tempo simples e totalmente improvável, como se velasse um enigma puro, um jeito leve de morrer. (A versão do Milton é uma das coisas mais maravilhosas feitas nesse planeta.)

Gosto de música pop. Inexplicavelmente gosto quando o Lulu Santos canta, simplesmente: “Quando um certo alguém/ Cruzou o seu caminho.” Gosto quando Falcão do Rappa (pra mim a grande banda brasileira dos últimos 20 anos) canta: “Faça um filho comigo.” Gosto das letras da Ângela Rô Rô, pois o jeito como ela as canta, tornam-nas todas poesia pura: ela parece sugerir que a verdadeira força do poeta é fazer com que as coisas que diz, quaisquer que sejam, é que sejam belas. O poeta torna belo por dizer. Acho lindíssimo o momento em que a Marisa Monte canta “Me abraça devagar/ Me beija e me faz/ Esquecer.”

Também não sei explicar porque gosto dos versos que abrem o samba Se você jurar: “Se você jurar/ que me tem amor/ Eu/ Posso me regenerar.” (Separar estes versos pela maneira como são cantados tem um gosto incrivelmente especial... E inexplicável.)

Dos Afro-sambas de Vinícius e Baden destaco o coro de Bocoché: “Vou me casar/ Com meu lindo amor/ No fundo do mar.”

Há mais de um ano vi um show do Trino, grupo de Florianópolis que toca somente canções de domínio público. Foram as letras mais bonitas que já ouvi, apesar de não saber reproduzir ou procurar nenhuma delas. Sim, ouvi aquelas canções incríveis uma única vez e parece que não preciso repetir a experiência.
A palavra incrível quer dizer: difícil de acreditar. É difícil de acreditar que exista quem não compreenda aquela que pra mim poderia ser eleita a grande letra de todos os tempos, Maracangalha de Dorival Caymmi. Aviso que é provável que quem não a entenda seja a vítima perfeita de um possível sarcasmo sagrado e absoluto que talvez ronde a música. 

Transcrevo a letra na íntegra: 

“Eu vou prá Maracangalha
Eu vou
Eu vou de liforme branco
Eu vou
Eu vou de chapéu de palha
Eu vou
Eu vou convidar Anália
Eu vou
Se Anália não quiser ir
Eu vou só
Eu vou só
Eu vou só
Se Anália não quiser ir
Eu vou só
Eu vou só
Eu vou só sem Anália
Mas eu vou...”
Mas eu vou.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Todas as ondas- Denise de Castro




O melhor jeito de se começar a falar sobre o disco Todas as ondas de Denise de Castro é experenciando não só os dilemas, mas também os horizontes abertos da situação atual da cultura em Florianópolis. Isto porque podemos logo dizer que poucas outras obras poderiam representar melhor do que esta a ligação entre a tradição e o futuro da música em nossa cidade.

É a própria Denise que encarna aquilo que por muitos é visto como um drama na capital de Santa Catarina: a existência de uma tradição rica e pouco explorada própria da identidade de Florianópolis (tradição que teria como patronos Zininho e Franklin Cascaes, a maneira como a cultura negra e a açoriana se encontram na cidade) que mais do que nunca parece se chocar e se diluir em face à chegada de uma espécie de responsabilidade de Floripa se assumir como um pólo cosmopolita, voltado ao moderno - fenômeno que, em hipótese, dispensaria qualquer apego ao passado.

Basta ouvirmos a primeira canção de Todas as ondas para percebermos que poucas obras poderiam encarnar mais espontaneamente a expressão e a síntese desse dilema: Na beira da praia abre o disco com um sofisticadíssimo e belo arranjo de metais que logo cede espaço para uma letra de contemplação pura, deixando claro que a obra dialogará não só com temas propriamente locais como também com a incorporação da sofisticação dos arranjos da música instrumental, sobretudo representada pela Era do jazz.

Para que a afirmação da presença deste elemento "moderno" encontrasse correspondência bastaria prestarmos atenção nos primeiros 30 segundos do disco, mas cabe também dar a dica de que um bom guia para a apreciação do álbum está em perceber a contribuição silenciosa de três músicos de apoio presentes em quase todas as faixas do disco.

São eles os integrantes daquela que na opinião deste ouvinte de música é a mais forte e madura banda de música instrumental da cidade, o Trio Butiá: Wslley Risso (guitarrista e responsável por 90% dos arranjos da obra), Alexandre Vicente (baixista) e Victor Bub (baterista).

Casamento melhor não poderia haver: além de amigos, músicos familiares ao que de mais e rico e “avant guarde” se faz no jazz mundial e ilhéus naturalizados (Xandão e Victor cresceram aqui, Wslley é sem brincadeira o paulista mais manezinho do Brasil), o Trio Butiá é dono de um repertório próprio de jazz fusion que une de maneira muito particular a compreensão do improviso e da contravenção musical próprios dos grupos de jazz mais contemporâneos à riqueza rítmica e folclórica exclusiva de nosso país.


Junto a eles, estão vários dos músicos que melhor podem esclarecer a relação entre passado, presente e futuro da música em Floripa: a saxofonista Sílvia Beraldo Bastos (musicista cuja importância para a cena da cidade nunca é suficiente ressaltar), o trombonista Marco Aurélio (dos nossos atuais boêmios, muito provavelmente o maior), o trompetista Fidel Piñero, o grupo Um Bom Partido...

Este elenco compõe a melhor companhia para a expressão daquilo que nos parece a voz particular desse disco: a boemia “preguiçosa” e profundamente melancólica de Denise de Castro, talhada por anos de convivência com aquilo que Floripa tem de mais rico em termos musicais e culturais.

Pois que em qualquer trecho de seu canto o que ouvimos de mais evidente é o quanto de bares e estrada a artista atravessou, procurando na beleza de Florianópolis e da vida os temas para suas composições e para a aspereza doce de seu canto.

A simplicidade e a nostalgia das letras irão se unir à destreza musical de Denise na visita consciente e espontânea à Todas as ondas, aos diversos ritmos e linguagens da música tradicional nacional e contemporânea universal.

Acredito não ser equivocado afirmar que uma das forças grandiosas deste disco é seu poder de síntese e de leve abertura de caminhos. Apenas por , com autoridade, fazer encontrarem-se a música “de raiz” brasileira e ilhéu com a crescente cena de música instrumental (universal) da cidade, Denise cumpre seu papel como artista de seu lugar e seu tempo.


Ouvir este grande disco, encantarmo-nos com a beleza dos arranjos e com a raridade deste encontro entre vários dos artistas da cidade é ao mesmo tempo pensar espontânea e profundamente Florianópolis em seu momento mais atual.

Topamos com uma beleza forte e inequívoca ao ouvirmos as jóias raras Naufrágios demais e Praia da solidão ou a instrumental Tempo de pipa ou ainda a simplíssima e deslavada declaração de amor à ilha Berço de ouro. Mas o essencial seria que este disco tocasse repetidas vezes em nossas casas, carros e bares, educando-nos a ouvir música e a perceber os diferentes tempos convergindo em nossa cidade.